Fé Como Fogo: O Evangelho é Terapia Radical para o Desconforto da Vida

“Vim lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso! (…) Pensais que vim trazer paz à terra? Não, eu vos digo, mas sim divisão.” (Lc 12,49.51)

Esta é uma das falas mais perturbadoras de Jesus. Muitos de nós buscamos na fé um abraço suave, uma tranquilidade imediata, uma fórmula para “ser bom” e ser aceito socialmente. Mas Jesus nos diz o oposto: “Vim lançar fogo sobre a terra.”

Este fogo, na teologia, não é destruição, mas purificação e paixão. É a força do Evangelho que transforma tudo o que toca. A fé não é um anestésico que alivia a dor de viver; ela é o sal que dá sabor à vida, mesmo que esse sabor seja, por vezes, ardente.

Muitas pessoas chegam à terapia procurando uma maneira de se encaixar, de ter uma vida “normal” e confortável. Costumo pensar que o Evangelho é o manual da inadequação santa. O texto nos diz que Jesus pede aos discípulos que vigiem e aguentem firme porque segui-Lo causa reação adversa e antipatias, e isso é um princípio de saúde mental e autenticidade:

O mundo atual impõe um pensamento único: o da superficialidade, do consumo e da validação externa. Seus gestos e escolhas, se plasmados do Evangelho, serão, por definição, um confronto a essa lógica. O fogo de Cristo incendeia o que é cômodo em sua vida e no seu ambiente.

Jesus não veio trazer a paz social que aceita a injustiça; Ele veio trazer a divisão. Esta divisão começa dentro de você: a divisão entre o seu Eu verdadeiro (o Eu que busca a vida nova e plena em Deus) e o seu Eu acomodado (o Eu que busca a aprovação do mundo).

Você se sente esgotado? O Evangelho explica: Viver de Deus não está na moda. Requer energia para nadar contra a correnteza. O desconforto que você sente ao ser excluído ou criticado por suas escolhas é a prova de que o sal está agindo e incomodando. Não confunda a dor do crescimento com a dor da doença.

O Evangelho é chamado de fogo devorador porque ele queima o que não presta em nós:

Queima a Acomodação: Ele consome a preguiça espiritual, forçando-nos a ir a fundo nas questões da fé e da vida.

Ilumina a Verdade: Ele ilumina os cantos escuros da nossa alma, revelando nossos medos e omissões. Esse é o trabalho duro da terapia: ver o que precisa ser queimado para que algo novo nasça.

A passagem mais radical é a que fala em divisão familiar “vim trazer divisão entre pai e filho”. Jesus não está pregando o ódio, mas a prioridade. A vida nova e plena que o Evangelho oferece é tão transformadora que ela redefine todas as suas relações, inclusive as de família. Se a família se torna um obstáculo para o seu crescimento espiritual e para a sua saúde mental, a fé exige que você escolha o fogo purificador da verdade, as vezes até se afastar como uma forma pedagógica para trilhar teu caminho com Deus e se proteger daquilo que te fere.

Se você se sente cansado, revoltado ou isolado, lembre-se: a fé exige que você aguente firme e vigie. A vigilância é o cuidado constante com a sua alma para não se deixar levar pelo pensamento único.

Não tente transformar o sal em mel. Abrace o desconforto de ser um cristão autêntico. É no meio dessa divisão e desse fogo que você encontrará não a paz mundana, mas a paz profunda de quem é verdadeiro consigo mesmo e com Deus. A força para a vida reside nessa escolha radical. E lembre-se o fogo que Jesus veio trazer não é o ódio mas o fogo do amor!

Dr. Fernando Tadeu Barduzzi Tavares