Deixem as Crianças Vir a Mim: A Força da Infância no Casamento

Quando Jesus diz: “Deixem que as crianças venham a mim e não as impeçam, pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas” (Mateus 19,14), ele nos convida a um mergulho profundo na nossa própria história. Essa passagem, muitas vezes associada apenas à pureza infantil, esconde uma sabedoria transformadora, especialmente para a vida a dois. Como teólogo e psicoterapeuta, sei que a dinâmica de um casal é um reflexo complexo de suas experiências individuais, e a infância é o solo onde tudo germina.
Nós, adultos, com nossas responsabilidades e seriedade, tendemos a esquecer a criança que habita em nós. Essa criança interior não é um sinal de imaturidade, mas sim a fonte de nossa espontaneidade, confiança e capacidade de amar. O casamento feliz não é construído por dois adultos perfeitos e sérios, mas por duas pessoas que se permitem ser simples, que se conectam com a criança que foram, e que acolhem a criança interior do outro. Isso não significa ser infantil. Pense na cena narrada por Mateus: os discípulos, adultos e cheios de boas intenções, queriam proteger Jesus do que consideravam uma perturbação . Eles viam as crianças como um incômodo, um desvio da “missão” espiritual. Quantas vezes, no nosso relacionamento, agimos como esses discípulos? Acreditamos que a vida real, a vida adulta, é feita de contas a pagar, horários a cumprir e problemas a resolver. Acabamos empurrando para o lado a alegria simples, o riso despretensioso, a brincadeira que alivia a tensão, somos muito sérios e nos tornamos pesado para o nosso cônjuge, vivemos de cobranças! . No esforço de construir uma vida “séria”, deixamos de lado o que nos nutre: a leveza.
Para encontrar a felicidade no casamento, é preciso aprender a transitar entre o profundo e o trivial, assim como Jesus fazia. Ele era capaz de se entregar à adoração do Pai e, no momento seguinte, se abaixar para estar no nível dos pequenos. Isso nos ensina que a espiritualidade verdadeira não é um escape da realidade, mas uma força que nos permite habitar a realidade plenamente, com todas as suas facetas, vivendo como seres espirituais no dia a dia. A vida espiritual não é só dentro da igreja aos domingos ou rezando o terço no Angelus, mas a cada momento do dia. Um casal forte é aquele que pode conversar sobre finanças com seriedade e, logo depois, se perder em uma risada boba por algo simples. Essa capacidade de mudar de “registro” é a flexibilidade que mantém a união viva e leve.
A criança interior é, por natureza, desarmada e confiante. Ela não carrega o peso das mágoas passadas nem a armadura das defesas que construímos ao longo da vida. Ao se conectar com a sua própria infância, você se torna capaz de se mostrar ao seu parceiro sem máscaras. A comunicação no casamento se torna mais autêntica. Em vez de acusações, pergunte. Em vez de silêncios rancorosos, se comunique. Ao invés de uma competição, colabore, e a relação se torna uma parceria, onde ambos se sentem seguros para ser quem realmente são.
Mas como resgatar essa criança? É um processo de acolhimento. A terapia para casais ou individual, juntamente com a reflexão espiritual nos convidam a revisitar as feridas da infância, não para culpabilizar, mas para entender. O medo de abandono, a busca incessante por aprovação, a dificuldade de expressar emoções, e muitas dessas lutas no casamento são ecos de uma criança ferida. Ao curar essa criança, ao dar-lhe o amor e a segurança que talvez não tenha recebido, você transforma seu relacionamento.
Então, permita-se. Permita-se ser espontâneo, rir das próprias falhas, pedir colo ao seu cônjuge, amar e deixar-se amar. Deixem que a criança que ainda vive em cada um de vocês se encontre. Resgatar a intimidade no casamento é, muitas vezes, resgatar essa capacidade de se entregar e confiar um no outro como crianças. A vida adulta nos impõe a seriedade, mas o Reino de Deus, e a verdadeira felicidade na união, pertencem a quem se permite ser como uma criança: simples, vulnerável, e profundamente capaz de amar e ser amado.
Dr. Fernando Tadeu!