A Armadilha das Pequenas Preocupações: Como o Orgulho e a Ansiedade Desviam Nossas Prioridades

“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pagam o dizimo da hortelã e do cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé.” (Mt 23, 23)
Há uma verdade profunda e, ao mesmo tempo, desconfortável no evangelho de hoje. Jesus denuncia uma prática que, infelizmente, é comum na vida de muitos de nós, especialmente na nossa busca por saúde mental: a perigosa tendência de tornar os pequenos problemas gigantescos, de modo a não ver os problemas realmente importantes.
É como se, para evitar enfrentar o oceano de nossas maiores inquietações, o medo de não ser suficiente, o vazio existencial, o luto por uma perda, nós nos agarrássemos a pequenos “grãos de areia” com uma intensidade desproporcional. A gente se dedica a discutir, debater e analisar cada detalhe insignificante, enquanto a nossa vida real, com suas dores e suas alegrias, fica à margem.
Esta é a essência da ansiedade e do perfeccionismo que assola muitos corações. Ficamos obcecados com a organização perfeita da casa, com a produtividade no trabalho, com a aprovação alheia, com o “dízimo da hortelã”. E enquanto estamos nisso, perdemos de vista o que é realmente essencial: a misericórdia, a fé e o juízo, ou seja, a nossa capacidade de sermos justos, de acreditar e de amar. Não temos misericórdia de nós mesmos, nos cobramos de mais.
Esse comportamento, que poderíamos chamar de autorreferencialidade, cria uma bolha psicológica. Estamos tão presos em nossas próprias regras, em nossas preocupações, em nosso mundo interno de pensamentos ruminantes, que nos tornamos cegos para o mundo lá fora e, principalmente, para o mundo dentro de nós. O mundo que Jesus amou e pelo qual ele morreu, o mundo da dor, do propósito, da conexão real, fica longe de nossas preocupações. Nos preocupamos com coisas pequenas e deixamos de lado o que mais importa.
Na raiz de tudo isso está o orgulho. A arrogância de acreditar que podemos controlar tudo, de que somos capazes de encontrar a paz através da nossa própria lógica e esforço. É a mesma astúcia hipócrita denunciada por Jesus, de usar a lei para evitar o mandamento do amor. Eles consagravam o patrimônio ao templo para não ter que cuidar dos pais idosos. Nós, muitas vezes, nos consagramos a nossas “pequenas preocupações” para não ter que enfrentar o amor real, que é vulnerável e exige de nós humildade.
Somente um coração verdadeiramente humilde pode escapar dessa armadilha. A humildade é a única ferramenta capaz de nos fazer reconhecer as verdadeiras prioridades. Ela nos permite admitir que não temos o controle de tudo e que precisamos de ajuda. Ela nos convida a sair de nossa bolha de ansiedade e a olhar para o que realmente importa: as pessoas ao nosso redor, as nossas emoções mais profundas e a graça que sustenta a nossa vida.
Para quem se sente sufocado pelas pequenas preocupações, a mensagem de Jesus é um convite para uma revolução interior. Deixe de lado a necessidade de perfeição e o controle. Olhe para a sua vida e pergunte-se: o que eu estou evitando ao me preocupar tanto com isso? A cura começa quando a gente tem a coragem de olhar para o que é essencial, e de viver com o coração aberto para a misericórdia e a fé.
Dr. Fernando Tadeu Barduzzi Tavares